Há três anos, Jeferson de Souza Silveira, 35 anos, chegou ao Distrito Federal em busca de oportunidades. Deixou a vida que levava em Corinto (MG) e tentou escrever um novo capítulo na capital. Porém, como era alcoólatra, nunca conseguia sair da Rodoviária Interestadual. Morava nos arredores dali, sem tomar banho durante dias e dormia ao relento. Há quase dois meses, sua história começou a mudar quando ele foi acolhido no Alojamento Provisório do Autódromo Internacional Nelson Piquet. Agora, chegou uma segunda chance: um emprego com carteira assinada.
Jeferson é um dos seis contratados do processo seletivo realizado dentro do alojamento. Vai trabalhar como promotor de vendas em um supermercado em Sobradinho. Foi selecionado por uma empresa de consultoria de RH que encaminha trabalhadores e terceiriza mão de obra. Os outros cinco colegas vão atuar como pedreiros e ajudantes de pedreiros ao lado de um dos clientes da Sama Inteligência Humana, um grupo que está há 20 anos no mercado. Além desses seis acolhidos que já assinaram contrato e fizeram exame admissional, mais 12 homens em situação de rua estão participando de processos seletivos e concorrem a outras vagas.
Ajuda providencial
Um dia, Jeferson procurou um dos educadores sociais do Instituto Tocar, que administra o alojamento, e pediu ajuda para encontrar um trabalho. Elker Barros conhecia a atuação social da Sama e entrou em contato com a empresa, que enviou representantes ao autódromo para conhecer os interessados em um emprego, selecionar os currículos e fazer as entrevistas. Dos 31 candidatos que se inscreveram para retornar ao mercado de trabalho, 18 tinham perfil para ocupar as vagas oferecidas.
“Esse trabalho de captar por meio de projetos sociais é a oportunidade de recolocar pessoas com base em suas competências, independentemente de gênero, classe, raça, sexualidade, religião ou qualquer entrave social”, explica Salomão Ferretti, um dos sócios da empresa. Salomão mantém, no YouTube, o canal Me Contrata, que dá dicas e até consultoria gratuita de como montar um currículo. A Sama já selecionou imigrantes e pessoas em casas de acolhimento social para diferentes trabalhos.
“Sabemos dos desafios e por isso, sempre que temos a oportunidade, vamos até onde acreditamos haver pessoas com perfil para o mercado de trabalho”, conta Salomão. “Recrutamos, selecionamos e treinamos trabalhadores, levamos para o cliente competências essenciais para a organização e ainda damos oportunidade para pessoas mostrarem o seu potencial.”
Mercado informal
A secretária de Desenvolvimento Social, Mayara Noronha Rocha, lembra que mais de 130 oficinas e cursos de capacitações já foram realizados nestes seis meses de funcionamento dos dois alojamentos provisórios. “Os agentes sociais dos institutos, juntamente com a equipe da Sedes, têm feito um trabalho importante nas unidades, principalmente com as capacitações profissionais que resgatam a autonomia e a autoestima dos acolhidos”, avalia. “Temos investido nas ações de inserção ao mercado de trabalho. A nossa ideia é chamar os empresários para darem uma oportunidade para essas pessoas e, assim, elas possam seguir suas vidas de forma autônoma”.
A diretora dos serviços de acolhimento da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), Daura Menezes, ressalta que o emprego, bem como a consequente geração de renda, é um dos pilares mais importantes para a superação da situação de rua. “A pessoa precisa se manter como indivíduo, pagar um aluguel, manter uma casa”, pontua. Segundo a Sedes, 120 dos 184 acolhidos estão no mercado informal de trabalho. Para quem busca emprego, o alojamento provisório funciona como uma rede de apoio – eles colocam o telefone do alojamento no currículo.
Daura destaca que a vaga no mercado de trabalho formal é uma vitória incomum, já que a maioria dos acolhidos até trabalha – mas por conta própria, na rua. “Eles vigiam carro, vendem sacos de lixo, acessórios para carros nos semáforos”, aponta. “Alguns até têm qualificação e escolaridade, mas enfrentam muito preconceito e dificuldades para conseguir um trabalho. Muitos nem têm telefone”.
Jeferson completou o ensino médio, tem experiência em varejo e deixou o vício em álcool há dois anos. Desde então, busca um emprego. “Fiz meu currículo e deixei em várias empresas”, conta. “Tenho muita experiência, mas julgam a gente pela aparência e não nos dão oportunidade”. Ele começa a trabalhar nesta quarta (4) e exibe, orgulhoso, o crachá. Da época em que viveu nas ruas, só ficou a lembrança. “Quero alugar uma casinha para mim”, planeja, com a perspectiva do salário.