Dos 123.151 casos de malária registrados no Brasil no ano passado, 11.530 ocorreram no território yanomami, que passa por uma emergência de saúde nacional decretada pelo Ministério da Saúde na última sexta (20).
Os números, que são do Sivep-Malária (Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Malária) e preliminares, indicam que os diagnósticos da doença entre os yanomamis representam 9,3% do total observado no país.
Embora concentrando esse volume de registros da doença, esse povo indígena é uma fatia muito menor no Brasil: os yanomamis são cerca de 0,013% da população do país.
A malária é causada por protozoários transmitidos para humanos pela picada de mosquitos. Depois de 30 minutos no organismo humano, os parasitas entram no fígado e lá ficam por cerca de 15 dias. Depois, ele invade a corrente sanguínea e, então, os sintomas começam a aparecer. Febre, dor de cabeça e calafrio são os principais.
É também a partir do sangue que um novo ciclo de transmissão pode ocorrer, já que um mosquito pode picar o infectado, sugando os protozoários presentes naquela corrente sanguínea. Após certo período, esse mosquito poderá transmitir o protozoário para outras pessoas, espalhando a doença.
Esse ciclo demonstra a importância do diagnóstico precoce, afirma Rodrigo de Souza, professor da pós-graduação de ciências da saúde da Universidade Federal do Acre (UFAC). Ele explica que, quanto mais dias alguém passa com a doença sem tratamento, maior o risco de disseminar a malária por meio dos mosquitos que podem picá-la e, assim, levar a outras pessoas.
O ponto é preocupante quando se enxerga a realidade de aldeias indígenas brasileiras, com problemas como desnutrição, que piora o quadro clínico dos pacientes. O acesso a serviços de saúde também tende a ser mais precário nessas localidades. O quadro atrasa o diagnóstico, o tratamento do paciente e, consequentemente, aumentam as chances de transmissão da infecção.
Outro problema é em relação à vacina.
Em 2021, a OMS (Organização Mundial da Saúde) aprovou um imunizante contra a malária com uma eficácia de cerca de 50% para evitar formas graves da infecção.
No entanto, Souza afirma que o fármaco é recomendado para o tipo de malária falciparum, com maior prevalência na África, mas não para o tipo da doença que mais circula no Brasil, chamada de vivax.
O professor também chama a atenção para outro aspecto da doença: a forma como ela adentra nos territórios indígenas. Segundo ele, não são todas as comunidades que convivem com o protozoário. “Tem aldeias indígenas em que […] raramente acontece um caso.”
Uma das portas de entrada mais comuns da malária para esses povos é pelo garimpo ilegal. “Quando falamos de garimpo ilegal, pode ter certeza que está associado à malária. Ela passeia ali dentro”, afirma o professor.
Ele diz que os garimpeiros estão em constante mobilidade: vão às regiões para garimpar e depois se locomovem a outras localidades. “Eles ficam levando a malária para esses locais.”
Nesse cenário, populações indígenas que não tiveram contato prévio com a doença têm maior risco de sofrer com a malária.
André Siqueira, médico tropicalista e pesquisador do INI/Fiocruz (Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas), ainda menciona o fato de que garimpeiros podem ter a doença e não realizarem o tratamento adequado. Isso acarreta maiores chances de circulação do parasita nessas comunidades.
A violência envolvida nas atividades de garimpo ilegal ainda pode ser associada à interrupção de serviços de saúde, o que resulta em dificuldade de acesso ao diagnóstico e ao tratamento adequados, propiciando um ambiente para novos casos da doença.
Entre os yanomamis, a presença de garimpeiros já era relatada pelos indígenas. O impacto da atuação deles no território agora está sendo investigada: um inquérito foi instaurado para averiguar se houve crime de genocídio contra os yanomamis, com foco na responsabilidade de garimpeiros, operadores da logística do garimpo, coordenadores de saúde indígena e agentes políticos.
Mas a circunstância não é vista somente neste povo. Dados do Sivep-Malária mostram que áreas indígenas concentraram cerca de 28% dos casos de malária no Brasil em 2022. Enquanto isso, informações do censo de 2010 do IBGE apontavam que os indígenas representavam somente 0,26% da população brasileira.
“Isso ilustra a dificuldade de controle e de manejo de malária nas áreas indígenas”, diz Siqueira.
Para o pesquisador, a solução perpassa políticas em duas áreas igualmente necessárias. “Além de reestruturar todas as ações de assistência e vigilância, conter as atividades ilegais é essencial.”