Receita de Lula barra exoneração de ex-secretário do caso das joias sem amparo legal

A Receita Federal suspendeu a exoneração do ex-secretário Julio Cesar Vieira Gomes usando uma justificativa que não tem amparo legal no caso.

Vieira Gomes chefiou o órgão no último ano do governo de Jair Bolsonaro (PL) e é investigado pelo caso das joias sauditas apreendidas no aeroporto de Guarulhos (SP). Ele pediu e foi exonerado pela Superintendência da Receita no Rio, mas o ato foi suspenso logo em seguida por portaria assinada pelo atual secretário do Fisco, Robinson Barreirinhas.

A portaria assinada por Barreirinhas barra a exoneração considerando, “por cautela, a supremacia do interesse público, as peculiaridades do caso, o disposto no art. 172 da Lei nº 8.112/90” e uma investigação preliminar em curso na CGU (Controladoria-Geral da União).

O único dispositivo legal específico citado, o artigo 172 da Lei dos Servidores Civis da União (8.112/90), estabelece que o servidor “que responder a processo disciplinar” não pode ser exonerado a pedido com o procedimento em curso.

Ocorre que Vieira Gomes ainda não responde a processo disciplinar, informação confirmada pela CGU e por documento da própria Receita.

No caso das joias sauditas, ele é objeto de uma IPS (Investigação Preliminar Sumária) na CGU, que, como o nome diz, é uma apuração inicial em que não há ampla defesa e cujo objetivo é definir se há indícios mínimos de cometimento de delito e de autoria para posterior instauração do processo disciplinar.

A instrução normativa que a instituiu, em 2020, estabelece que o IPS “constitui procedimento administrativo de caráter preparatório, informal e de acesso restrito”.

O IPS foi aberto em 7 de março, ainda está em curso e tem 180 dias para ser concluído, podendo ser prorrogado, disse a CGU.

O procedimento da superintendência do Rio que resultou na decisão da exoneração a pedido de Vieira Gomes também contém um nada consta em seu nome relativo a processos administrativos no âmbito do Fisco.

A Folha questionou a Receita sobre a decisão de Barreirinhas, já que o ex-secretário não responde a um PAD (Processo Administrativo Disciplinar). Solicitou ainda pareceres internos que eventualmente tenham embasado a portaria.

O órgão apenas enviou uma reprodução da portaria publicada e disse que não tinha mais manifestação a fazer no momento.

A Folha apurou que o caso foi encaminhado para a corregedoria do Fisco para análise sobre a possibilidade de a exoneração a pedido ser mantida.

“A supremacia do interesse público justifica muita coisa, pelo menos em um primeiro momento, mas é preciso haver um amparo na lei. Tomando como verdade que não há um PAD na Corregedoria da Receita nem na CGU, não há elementos para fazer isso”, afirma Mauro Silva, presidente da Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita).

Além de não ter embasamento legal específico, a atitude da Receita também pode não ter efeito prático, já que a exoneração de Julio Cesar não impede a eventual abertura de PAD, inclusive com a aplicação da pena de demissão —nesse caso a sua situação mudaria de exonerado a pedido para demitido.

A reportagem não conseguiu contato com o ex-secretário para falar sobre a decisão da Receita.

Vieira Gomes é suspeito de ter pressionado fiscais para liberarem as joias apreendidas no Aeroporto Internacional de Guarulhos. Ele e Bolsonaro chegaram a conversar por telefone no final do ano passado sobre os itens de luxo apreendidos.

Em manifestações anteriores, o ex-secretário sempre negou a tentativa de interferência, dizendo ter seguido todas as orientações legais.

Integrantes da Receita e de outros órgãos que acompanham o caso afirmam, em caráter reservado, que uma possível intenção do ex-secretário ao pedir a exoneração pode ser a liberação para a livre atuação na área privada, como advogado.

De acordo com seu currículo, Vieira Gomes é doutor e mestre em direito tributário pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

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