Depois de uma tentativa fracassada no ano passado de acelerar projeto que regula a atuação de plataformas no país, o Congresso acerta os últimos detalhes de um texto que deve ser votado até o fim do mês, em meio à pressão sobre redes sociais motivada pelos recentes ataques a escolas.
O relator do texto, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), finalizou nesta segunda-feira (17) uma minuta de substitutivo, incorporando algumas sugestões do governo. Agora, ele começa a rodar as bancadas de deputados para negociar ajustes à proposta que será votada em plenário.
Segundo o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a expectativa é que o projeto, apelidado de PL das fake news, seja votado nos dias 26 e 27 deste mês.
A última versão com sugestões do governo foi encaminhada no final de março, após o ataque a uma escola estadual de São Paulo que resultou na morte de uma professora, mas antes da invasão a uma creche em Blumenau (SC) na qual quatro crianças foram mortas.
O texto será finalizado em meio a discussões sobre como aumentar a segurança nas escolas e prevenir novos atentados.
Nesta terça-feira (18), o presidente Lula fará uma reunião com o presidente da FNP (Frente Nacional de Prefeitos) para discutir políticas de prevenção à violência nas escolas.
O encontro terá a presença do vice-presidente, Geraldo Alckmin, dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira e da presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Rosa Weber, além do procurador-geral da República, Augusto Aras, e de governadores.
No Congresso, a última versão enviada pelo governo inclui um capítulo inteiro para a proteção de crianças e adolescentes, que exige a adoção de medidas adequadas e proporcionais para assegurar um nível elevado de privacidade, proteção de dados e segurança.
Também veda a publicidade ou impulsionamento de conteúdos que defendam, promovam ou incitem ódio, discriminação e intolerância, neguem fatos históricos violentos bem documentados e contenham indícios de crimes contra o Estado democrático de Direito e de terrorismo.
O texto determina ainda que o Congresso crie, até 45 dias após a sanção da lei, uma comissão provisória para elaborar o Código de Conduta de Enfrentamento à Desinformação, com medidas, por exemplo, para impedir a disseminação de fake news e para garantir a desmonetização de conteúdo que contenha desinformação.
Alguns pontos defendidos pelo governo são contestados por parlamentares, como o fato de incluírem na regulação plataformas de conteúdo musical ou audiovisual sob demanda, o que poderia abranger serviços de streaming como Netflix e Spotify.
Há ainda questionamentos sobre a remuneração de conteúdo jornalístico, por exemplo, como sugere o Executivo.
A votação ocorre em um contexto em que as big techs sofrem fortes críticas e pressão do governo por causa dos ataques em escolas no Brasil.
Em alguns casos, a política de privacidade das empresas entrou em choque com as demandas do Executivo, que exigiu ações concretas para barrar conteúdos com apologia à violência escolar.
O principal alvo de queixas é o Twitter, que, inicialmente, se negou a retirar do ar conteúdo de perfis apontados pelo Ministério da Justiça. A empresa argumentou que o termo de uso da plataforma permite a divulgação do material.
O posicionamento causou mal-estar na reunião da pasta com outras big techs. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, disse que a política de privacidade das redes não pode se sobrepor às leis em vigor no país.
Pessoas ouvidas pela reportagem disseram que o Twitter havia mandado para as reuniões dois representantes do México, que representam a big tech em toda a América Latina.
Pessoas com conhecimento dos assuntos tratados no encontro dizem que a dupla parecia não compreender o cenário social e político que o Brasil enfrentava, e a comunicação teve falhas diante de dificuldades linguísticas enfrentadas durante a reunião.
Após a audiência, representantes do Twitter tiveram reuniões internas e decidiram se reposicionar nas discussões. Uma primeira medida foi atender aos pleitos apresentados pelo governo, além de aumentar o escopo de perfis analisados por possível desrespeito às normas de uso da plataforma.
Estela Aranha, coordenadora de Direito Digital do Ministério da Justiça e Segurança Pública, afirma que a postura da plataforma tem mudado e que a empresa está mais colaborativa.
“Eu chequei cem solicitações e vi que a empresa está atendendo as solicitações, começaram a colaborar. Estamos em diálogo constante com representantes da plataforma”, disse.
Antes de o Twitter fazer esse recuo, o MPF (Ministério Público Federal) em São Paulo cobrou da plataforma as medidas tomadas para moderar publicações que possam configurar incitação à violência e atentados em escolas.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública criou uma portaria na quarta-feira (12) que prevê multas de até R$ 12 milhões para as empresas que se recusarem a seguir a nova regulamentação contida no texto.
Dino disse que não há prazo para a norma sair de vigor, ela deve permanecer até o Congresso começar a discutir o tema.
O deputado Orlando Silva afirma que a portaria editada pelo ministro é mais uma demonstração da urgência que tem a aprovação do PL das Fake News.