Quem chegar ao posto da Secretaria de Saúde-DF do Lago Norte – Unidade Básica de Saúde-UBS-1 -, por volta das sete da manhã, poderá se espantar com o grande número de presentes, pois as proximidades é mais residida pela classe média alta portadora de planos de saúde. No entanto, nem todas estão buscando atendimento médico, havendo dias em que o número dos que estão fora da fila ser maior. Razão: pessoas chegando para aulas de Tai Chi Chuan, uma arte marcial chinesas.
Quase todos os “taichichuenses” são aposentados, com maioria de mais 70 de idade e já enviuvado. Todas as mulheres, porém, ainda, duras, exibindo boa movimentação física, carrões e espíritos subindo para o positivo, como garantem. “Nâo há coisa melhor do que o Tai Chi (Chuan)”, afirma Heloísa, piauiense, de 74 na certidão de nascimento, acrescentando: “Me renovo a cada sessão” afirma, acompanhada pela mineira Lúcia Helena, de 85 (a mais velha do grupo), pela goiana Darci, de 83. “Que coisa boa (é o Tai Chi). Melhor do que isso só quando eu era menina e vivia brincando lá fazenda dos meus pais, no Pontal do Triângulo, perto de Uberaba”, tem saudade a Lúcia Helena. Bem humorada, ela conta velhas histórias daquele seu tempo, como a de uma professora da roça que escrevia Goão, em vez de João. E que a sua mãe teve 15 filhos, “enchendo a casa por ela e por mim, que não tive nenhum”.
O engenheiro civil Maurício Tavares, de 63, um do mais novos do grupo, estava há duas décadas sem fazer a atividade que ele praticava em Goiânia. “Parei por falta de tempo, porque o trabalho consumia todo o meu relógio. Assim que me aposentei, fui logo procurar o Tai Chi (Chuan), que recomendo a todos. Façam e avaliem se não tenho razão”, propõe, com o apoio de Luzia Helena, cearense, que celebrará 72, em outubro, e de Júlia Novais e de Antônia, ambas baianas da mesma cidade, Correntina. Segundo Luzia Helena, de 72, os progressos físicos da prática incluem até melhoras para as suas dores no nervo ciático.
Alguns alunos do Tai Chi Chuan do Lago Norte são profissionais da USB-1 e chegam mais cedo para não haver confronto com o horário de trabalho. “Os pacientes acham que a gente tem que ficar só lá dentro, atendendo-os”, ressalta a médica pernambucana Indira Vale, “passada dos 50” e que, as vezes, ministra aulas, o que, também, faz a fisioterapeuta Larissa. “Porque você não se juntar nós? Faz tão bem à saúde. Vou lhe encher o saco até você aceitar a sugesta”, avisa a “doutora Indira” que, quando trabalhava em hospital, só dava alta a pacientes masculinos depois que arrumassem barba e bigode. “Ninguém se livrava de mim sem estar bonito”, brinca ela que, todos os dias bebe cafezinho em uma barraca do lado da USB-1, junto com os varredores de rua.
O Tai Chi Chuan do Posto de Saúde do Lago Norte começou em 2016, quando o servidor (do almoxerifado) Edilberto Zacarias, o Zaca, o propôs, à direção da casa topou e ele colocou placas de papelões no alambrado do prédio convidando a moçada. “A maioria dos primeiros interessados era só de curiosos. Arrumei o nome de ‘práticas interativas de saúde’ pra impressionar, e deu certo, pois não demorou a termos uma primeira turma de praticantes” lembrou ele, que acidentou-se, fatalmente, no dia seguinte após começar esta entrevista. Como a todo instante chegava alguém querendo tirar dúvidas, pediu para continuar o papo no dia seguinte (08.08.2023), o que não deu tempo – está sendo substituído por um dos seus auxiliares informais, o cearense Raimundo Nonato Melo, o Nonatinho, segundo o qual o velho amigo (e, também, acupunturista), o deixou, inteiramente, preparado para continuar o seu legado, o qual afirma ser “refereência em toda Brasília”.
Zacca perdeu o controle do seu carro – Nissan Versas cinza -, às 18h20 de uma terça-feira, quando saiu da pista e bateu contra uma árvore, no canteiro de via que o levava à Vila Planalto, onde residia. Ficou preso às ferragens. O carro predileto dele, no entanto, era um Fusca, o qual fazia questão de mostrar aos alunos. Muito sorridente e falante, com voz grossa, ministrava as suas aulas usando calça e camisa com escudos do Atlético-MG. Brincava: “Vou mudar o nome do meu time pra Jesus Cristo. Ressuscitou o Vasco (da Gama)” – até então, fora o único a perder do clube carioca neste Brasileiro de Futebol.
As aulas na USB-1, são gratuitas, de segunda à sexta-feira, entre sete e oito e das oito às nove da matina. É só chegar, falar com op Nonatinho, assinar num livrão e começar a aprender. Para memorizar os movimentos, ele gritará jargões interessantes cmo: “Gavião pegando o rato; coçando a crina do cavalo; alfinete bo fundo do mar; jogando a bola pra direita; levando a bandeja para a equeda”, e outras mais curiosos. “Facilita o aprendizado dos movimentos”, garante a Maria Bethânia, de 69 de idade e alfabetizadora aposentada.
Será que os movimentos rápidos da capoeira baiana se dariam bem com esta arte marcial chinesa? “É outro departamento”, acha a bem humorada baiana Beta (para os familiares) que reside em Brasília há meio-século, mas faz questão de se declarar “cidadã soteropolitana”, gentílico dos nascidos em Salvador. E, por falar em Salvador, não chamam a Dona Darci por ‘senhora’, mesmo com os seus 83 nos costados. Para ela, ‘senhora’ e ‘senhor’ – que remete a Salvador – estão no Céu. Por isso, o repórter desta matéria chamou todas as “taichichuanas” setentonas e oitentonas por “Querida”. E todas gostam, principalmente as solteironas que até preferem o substantivo feminino ‘senhorita”! – tá valendo!