Já é possível perceber impactos pontuais do calor intenso na inflação. Segundo analistas, altas temperaturas nos próximos meses, com a chegada do verão em dezembro, aumentam os riscos para os preços. Os efeitos da crise do clima podem pressionar itens como alimentos e energia elétrica.
O calor já atingiu a inflação de produtos como o ar-condicionado. Em outubro, os preços subiram 6,09%, conforme o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), calculado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Foi a maior alta em três anos, desde outubro de 2020 (10,54%). De acordo com o IBGE, a carestia pode ser associada à maior demanda em razão do calor e a seca histórica no Amazonas, que dificultou a produção no estado.
“Mesmo que estivesse fazendo calor dentro da normalidade para esta época do ano, a venda de ventiladores e ar-condicionado seria grande”, diz o economista André Braz, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
“Todo ano tem isso, mas, neste, pelo fato de o calor ter vindo mais cedo e estar muito intenso, pode ser que tenha provocado uma alteração nesses bens”, afirma.
Conforme Braz, as altas temperaturas, associadas ao fenômeno climático El Niño, que altera o padrão de chuvas no país, podem acelerar os preços de alimentos mais sensíveis ao clima, como verduras, legumes e frutas.
“Essa classe de alimentos sofre mais com alterações climáticas, que são bem próprias desta época do ano, do final da primavera e do começo do verão. Isso não é bom para a oferta desses alimentos”, diz.
Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados, tem avaliação semelhante. “O calor traz risco porque tem o impacto que a gente pode ver em hortifrúti quando há excesso de seca ou chuva”, afirma.
Outra ameaça das altas temperaturas, diz, é um possível atraso na safra de soja, com reflexos sobre a qualidade dos grãos. “A principal preocupação é daqui para frente.”
O radar de analistas ainda contempla eventuais reflexos do calor sobre as tarifas de luz. É que as altas temperaturas elevam o consumo e forçam o uso adicional de fontes de energia mais caras, como as térmicas –a carvão, diesel e gás. Isso pode gerar repasse para as tarifas no verão, de acordo com especialistas.
“É possível que tenha alguma repercussão [nas tarifas], mas não está garantido que a gente precise fazer sempre o acionamento das térmicas”, diz Paulo Cunha, consultor da FGV Energia. “Não está garantido que a temperatura vai se manter nos níveis atuais durante o verão inteiro.”
De acordo com Cunha, a quantidade de energia produzida no Brasil está em patamar “confortável” em razão dos níveis atuais dos reservatórios de hidrelétricas e do desempenho de fontes renováveis, como solar e eólica.
O ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) prevê, porém, a necessidade de geração térmica adicional para atendimento da demanda em momentos de pico em novembro e dezembro de 2023. Isso, segundo o órgão, já havia sido sinalizado na última reunião do CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico), realizada em 8 de novembro.
“A economicidade é sempre o principal critério a ser seguido no acionamento das usinas. O acionamento está se dando para atendimento à ponta de carga respeitando as características técnicas dos equipamentos”, afirmou o ONS.
Alexei Vivan, sócio da área de energia do escritório Schmidt Valois Advogados e diretor-presidente da ABCE (Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica), reconhece que o uso de térmicas pode pressionar as tarifas, mas ele não vê grandes ameaças no momento.
“Quando você aciona a térmica, tem aumento da tarifa, porque é mais cara. Por isso que é deixada como última medida a ser tomada. Mas não acreditamos que haja necessidade de despacho de usina térmica numa quantidade suficiente para impactar a tarifa. Pode vir a ser utilizado em casos específicos, e não acho que é o que vai acontecer”, diz.
O consumo de energia elétrica no Brasil bateu recordes em dois dias consecutivos, na segunda (13) e na terça-feira (14), quando a carga do SIN (Sistema Interligado Nacional) ultrapassou a faixa de 100 mil MW (megawatts), de acordo com o ONS.
“A onda de calor que vem afetando boa parte do Brasil incidiu diretamente na demanda por energia elétrica”, disse o ONS na terça.
“O Operador reforça que o SIN é robusto, seguro, possui uma ampla diversidade de fontes e está preparado para atender às demandas de carga e potência da sociedade brasileira”, acrescentou na ocasião.
Ontem (15), o consumo diminuiu sob reflexo do feriado de Proclamação da República. Tradicionalmente, feriados costumam paralisar empresas e levar mais pessoas para espaços abertos, o que reduz a demanda por eletricidade.
Na máxima do dia até a conclusão deste texto, o consumo alcançou a faixa de 89 mil MW depois das 18h desta quarta. O patamar estava abaixo dos dois dias anteriores, de recordes consecutivos, mas ainda superou o nível de um útil como 16 de novembro de 2022 (83.079 MW).