Reforma do STF buscam reduzir influência do presidente

A maioria das propostas de reforma do STF (Supremo Tribunal Federal) em discussão hoje no Congresso Nacional tem como objetivo reduzir a influência do presidente da República na corte, exatamente o contrário do que Jair Bolsonaro (PL) pretende fazer se for reeleito.

Apresentadas antes da chegada de Bolsonaro ao poder, essas propostas nunca tiveram apoio para avançar, mas a distância que as separa de mudanças radicais como as que o presidente tem cogitado sugere que os bolsonaristas também enfrentariam resistências no Legislativo.

São poucas as propostas que incluem mudanças defendidas pelo presidente, como a ampliação do número de integrantes do STF e a imposição de limites a seus poderes, ou mandatos fixos para os ministros, que hoje podem ficar no tribunal até completar 75 anos de idade.

Logo depois do primeiro turno da eleição presidencial, Bolsonaro disse ter recebido uma proposta de ampliação do número de ministros da corte, de 11 para 16, e afirmou que pretendia discutir o assunto depois do segundo turno, que será realizado no domingo (30).

A mudança permitiria que Bolsonaro preenchesse sete vagas no Supremo num eventual segundo mandato, incluindo as duas que se abrirão no próximo ano com a saída dos ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, que completarão 75 anos de idade e terão que se aposentar.

O vice-presidente Hamilton Mourão, eleito senador pelo Rio Grande do Sul, disse ser contra a ampliação do tribunal, mas defendeu a adoção de mandatos fixos para seus integrantes e o fim das decisões monocráticas dos ministros, tomadas sem participação do plenário da corte.

Levantamento feito pela Folha identificou 35 propostas de emenda constitucional que promovem reformas no STF e estão em tramitação na Câmara dos Deputados ou no Senado. Somente 2 preveem ampliação do número de ministros, e apenas 15 estabelecem mandatos fixos.

O objetivo principal da maioria das emendas é alterar a maneira como os integrantes do Supremo são escolhidos, reduzindo o papel central que o chefe do Poder Executivo exerce hoje no processo e abrindo espaço para participação das duas casas do Congresso e de outras instituições.

Entre as 35 propostas em tramitação, 10 preveem que os congressistas indiquem parte dos integrantes do tribunal e 5 afastam completamente o presidente da República do processo. A maioria das emendas está parada há anos em comissões, sem relator designado.

Questionado sobre seus planos para o STF no debate presidencial do último dia 17, Bolsonaro mencionou uma dessas propostas, da deputada Luiza Erundina (PSOL-SP), numa tentativa de associar a ideia à esquerda e a seu adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em 2013, Erundina sugeriu transformar o Supremo numa Corte Constitucional, transferindo para outros tribunais atribuições como o julgamento de ações penais. O número de integrantes da corte seria ampliado de 11 para 15, e todos seriam nomeados pelo presidente do Congresso.

De acordo com a emenda, as escolhas seriam feitas a partir de listas de nomes selecionados pela comunidade jurídica. O Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil poderiam fazer as indicações.

Como Erundina explicou na justificativa da proposta, sua intenção era reforçar a independência da corte, não enfraquecê-la. “O novo sistema de nomeação tornaria muito difícil, senão impossível, exercer com êxito alguma pressão em favor de determinada candidatura”, escreveu.

Bolsonaro disse no debate que não fará mudanças, mas deixou claro que seu desejo é ter mais influência no STF: “O PT tem sete ministros indicados […], eu tenho dois. Caso venha a ser reeleito, tenho mais dois: eu ficaria com quatro e o PT, com cinco. Está feito o equilíbrio.”

Pelas regras atuais, cabe ao presidente da República indicar os ministros do Supremo e submetê-los à aprovação do Senado, onde os candidatos devem ser sabatinados. Tomam posse os que são aprovados por maioria absoluta, ou seja, pelo menos 41 dos 81 senadores.

Desde a promulgação da Constituição de 1988, a única mudança significativa foi promovida pela emenda constitucional que aumentou a idade de aposentadoria compulsória dos funcionários públicos, de 70 para 75 anos, em 2015, durante o governo Dilma Rousseff (PT).

De iniciativa do Legislativo, a alteração adiou a saída de quatro ministros que compunham o tribunal na época, tirando da presidente a possibilidade de preencher suas vagas. Dilma foi afastada do cargo no ano seguinte, com a abertura do processo de impeachment.

“A maioria das propostas que estão lá busca aperfeiçoar a instituição”, afirma o ex-governador e senador eleito Flávio Dino (PSB-MA), que assumirá o mandato em fevereiro. “Quando foram apresentadas, ninguém pensava em reduzir a independência do Supremo e subordiná-lo.”

Em 2009, quando era deputado federal, ele apresentou emenda constitucional propondo que a Câmara, o Senado e o próprio STF ficassem responsáveis pela indicação de 6 dos 11 ministros. O presidente da República continuaria indicando os outros 5 membros do tribunal.

Dino ainda defende a proposta, que fixaria os mandatos dos novos ministros em 11 anos, mas não gostaria de vê-la discutida quando chegar ao Senado. “No ambiente atual, o mais importante é proteger as instituições e evitar os riscos que um debate como esse traria”, afirma.

Nas eleições deste ano, o PL e outros partidos de direita que apoiam Bolsonaro aumentaram suas bancadas no Congresso. Embora eles não tenham sozinhos número suficiente para alterar a Constituição, terão mais força para fazer avançar seus projetos se Bolsonaro for reeleito.

Até aqui, nenhuma iniciativa dos aliados de Bolsonaro foi longe. Deputados do centrão cogitaram no ano passado a apresentação de um texto que daria ao Congresso a prerrogativa de rever decisões do STF, mas abortaram a ideia após receber as primeiras críticas.

Uma emenda que voltaria a reduzir a idade de aposentadoria dos ministros, de 75 para 70 anos, com o objetivo de abrir duas vagas no tribunal para Bolsonaro preencher, foi aceita numa comissão da Câmara, mas nunca teve apoio suficiente para chegar ao plenário.

“O Supremo tem sido um contraponto ao bolsonarismo e isso cria incômodo”, afirma Fabiana Luci de Oliveira, professora da Universidade Federal de São Carlos. “Os políticos se preocupam com controle, mas não dão atenção a reformas que poderiam aprimorar a instituição.”

Na avaliação de juristas, mudanças na forma de indicação dos ministros para formar maiorias ocasionais, como os aliados de Bolsonaro sugerem, seriam inviáveis, porque representariam uma violação do princípio da separação dos Poderes, cláusula pétrea da Constituição.

As propostas em tramitação no Congresso preveem regras de transição que poderiam contornar esse problema. Em geral, eventuais mudanças só valeriam para futuros ministros e futuros governantes -o que esfriaria o entusiasmo dos que têm interesse imediatista nas reformas.

“É difícil mexer na forma de indicação dos ministros, porque qualquer mudança beneficiará de forma assimétrica diferentes atores”, afirma Diego Werneck Arguelhes, professor do Insper. “É muito difícil quando se sabe quem pode ganhar influência e quem pode perder.”

Em 2015, quando o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) estava no primeiro mandato e fazia oposição ao governo Dilma, ele apresentou uma emenda para tirar do presidente o poder de indicar os ministros do STF e encarregar a própria corte de propor novas regras para nomeações.

O filho do presidente, que na campanha de 2018 disse que bastaria enviar um cabo e um soldado até o Supremo para fechá-lo, justificou a proposta de 2015 apontando a necessidade de nomear ministros sem “vinculação ideológica expressa com mandatários”. Como tantas outras, a ideia nunca foi levada adiante.

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