O governo anunciou nesta segunda-feira (27) que voltará a cobrar tributos federais sobre gasolina e etanol a partir de quarta (1º). A decisão é vista entre petistas como uma vitória parcial do ministro Fernando Haddad (Fazenda) no embate com membros da ala política, que defendiam mais tempo de desoneração.
A decisão final acerca da desoneração sobre gasolina e etanol, que tem prazo para acabar nesta terça (28), colocou membros do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e aliados em lados opostos ao longo das últimas semanas.
Havia o temor de que a reoneração poderia alimentar a inflação em um momento visto como delicado para o cenário econômico.
No entanto, prevaleceu o argumento de que o carro particular não deveria ter o mesmo tratamento do transporte coletivo -que usa diesel, combustível que está com a tributação federal zerada até o fim do ano.
A decisão de cobrar mais tributos sobre gasolina do que sobre o etanol, segundo o governo, busca alinhar a medida com três princípios de sustentabilidade perseguidos pela gestão de Lula: ambiental (onerando mais o combustível fóssil), social (tentando reduzir o impacto sobre o consumidor) e econômico (preservando a arrecadação).
Apesar dessa vitória, chamada nos bastidores de conceitual, a avaliação é que Haddad saiu desgastado ao deixar exposta sua divergência com integrantes do partido. De acordo com essa visão, o episódio deixou evidente de forma desnecessária um racha na base do governo em um tempo curto de mandato.
Na última semana, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, chegou a vir a público defender que não se aumentassem os impostos agora.
“Não somos contra taxar combustíveis, mas fazer isso agora é penalizar o consumidor, gerar mais inflação e descumprir compromisso de campanha”, afirmou Gleisi em rede social na semana passada.
Na avaliação de petistas, Haddad estava em um processo de desgaste e a decisão sobre os combustíveis, vista como híbrida, garantiu um respiro ao ministro da Fazenda.
Além de ter acumulado críticas no episódio em si, Haddad tem sido cobrado a articular mais no Congresso agendas de interesse do governo -como o novo marco fiscal.
Aliados recomendam ainda que Haddad se dedique ao debate sobre o preço do petróleo para impedir que a taxação alimente a inflação a ponto de obrigar o governo a arrefecer nas críticas à atual política de juros.
Os detalhes da tributação sobre combustíveis ainda não foram anunciados e aliados do governo ainda falavam nesta segunda que ela deveria contar com algum gradualismo e escalonamento. A expectativa é de que haja alguma definição ainda nesta terça-feira (28).
Por enquanto, o Ministério da Fazenda se limitou a informar poucos detalhes. Por exemplo, que as alíquotas serão diferenciadas para que os combustíveis fósseis sofram uma cobrança maior -como mostrou a coluna Mônica Bergamo.
Antes de a desoneração dos combustíveis ser adotada no governo de Jair Bolsonaro (PL), as alíquotas dos tributos federais já eram distintas. Os valores eram de até R$ 0,69 por litro da gasolina e de R$ 0,24 por litro de etanol.
A proposta de escalonamento, ventilada por aliados, seria uma concessão para pessoas contrárias à reoneração. Há uma avaliação de que, para não pesar no bolso do consumidor, ainda será necessário em algum momento mudar a política de preços da Petrobras (PPI), tema defendido por Lula durante a campanha.
“Para quem tem responsabilidade social e fiscal com o país, a desoneração progressiva é o caminho, até que se discuta e se altere profundamente a política de preços da Petrobras”, afirmou o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).
“É uma posição mediada e sensata em acordo com o ministro da Fazenda, porque não temos nem conselho da Petrobras montado ainda.. Essa é a pior herança que nós recebemos, é maldita e eleitoreira”, completou.
Aliados mencionam ainda como alternativa a revisão da tributação ao longo da cadeira -com tratamentos distintos para a extração, o refino e a distribuição.
A nova modelagem da tributação sobre combustíveis foi discutida entre o governo e a Petrobras. O secretário-executivo da Fazenda, Gabriel Galípolo, viajou ao Rio de Janeiro para se reunir com diretores da companhia e debater o assunto. No Palácio do Planalto, Lula recebeu para uma reunião o presidente da estatal, Jean Paul Prates, além de Haddad e do ministro Rui Costa (Casa Civil).
A Fazenda afirma, via assessoria de imprensa, que “está assegurada 100% da arrecadação” projetada com a retomada de tributos sobre combustíveis, conforme anunciado em 12 de janeiro -embora não tenha explicado como isso vai ser garantido.
Haddad anunciou há pouco mais de um mês um pacote de medidas para reduzir o rombo fiscal previsto para 2023, entre elas justamente a reoneração de combustíveis. A arrecadação projetada com a medida a partir de 1º de março era de R$ 28,9 bilhões.
A MP para prorrogar a desoneração completa de PIS e Cofins sobre os combustíveis foi assinada por Lula em 1º de janeiro. A medida foi adotada inicialmente por seu antecessor em 2022, numa tentativa de Bolsonaro de conter a escalada de preços nas bombas em pleno ano eleitoral.
Durante a transição de governo, a manutenção das alíquotas zeradas enfrentou resistências da equipe do ministro da Fazenda, que queria recuperar uma parcela maior da arrecadação. O contraponto veio justamente da ala política, que pressionou pela extensão do benefício tributário de olho num impacto mais prolongado sobre o bolso dos consumidores.
Em janeiro, Haddad não descartou a possibilidade de Lula prorrogar a medida, reduzindo o potencial de receitas, mas mantendo o alívio para o bolso dos consumidores.
“Isso não impede o presidente de reavaliar esses prazos, a depender da avaliação política que ele fizer, o que impõe continuar num rumo de pacificar esse país, e em relação também a essas conversas que vamos manter com a autoridade monetária [Banco Central]”, disse o ministro.
A posição da Fazenda, porém, indica que o ministro conseguiu convencer Lula a retomar a tributação sobre os combustíveis de forma a preservar a arrecadação.
O leque de opções analisado pelo governo até então incluía prorrogar desoneração por mais dois meses -até o fim de abril- ou elevar os tributos de forma gradual. A Fazenda, porém, defendia a retomada da cobrança dos tributos.
Entenda
Como é hoje
Medida do governo de 1º de janeiro zerou tributos federais para gasolina, etanol, querosene de aviação e gás natural veicular. Diesel ficou desonerado até o fim do ano.
Como será
Governo anunciou poucos detalhes, mas disse que tributação para gasolina e etanol será retomada e que gasolina terá alíquota mais alta.