As incertezas geradas pelo novo governo tanto no campo econômico, quanto no político estão freando o ritmo de expansão do crédito para empresas.
É o que afirma o ex-presidente do Banco Central e ex-ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Para ele, muitas empresas deixaram de buscar crédito para se financiar, preferindo outros mecanismos de captação, como emissão de ações (follow-on) ou de dívidas (debêntures).
O crescimento do crédito para empresas recuou, segundo novas projeções do Banco Central. No crédito livre, modalidade em que as taxas são negociadas, houve queda de dois pontos percentuais no ritmo de expansão era de 8% no início do ano e, agora, passou para 6%.
Nas rodas de empresários, esse tema é tão discutido quanto a pressão do governo pela redução da Selic, a taxa básica de juros da economia.
PERGUNTA – Como o senhor explica a desaceleração do crédito para empresas?
HENRIQUE MEIRELLES – Não existe mensagem clara e unificada do governo. Veja o arcabouço fiscal, que substituiu o teto de gastos. Teremos [pela proposta] aumento de despesa de até 2,5% acima da inflação e, no mínimo, de 0,6%. Existe então crescimento real da despesa.
Pelo teto era mais simples. A dívida pública, como porcentagem do PIB, cairia, bem como a despesa primária. Agora não.
Houve anúncios referentes à redução de benefícios e isso tem impacto em setores da indústria muito maior do que se poderia pensar.
O benefício é uma alíquota [de imposto] menor do que a alíquota padrão, aplicada sobre a maioria das empresas.
sso não significa que seja menor que outros países. Muito pelo contrário. O sistema tributário brasileiro gera uma carga elevada. Tem setores que só são competitivos com importados por causa dessa taxação menor que a média.
No momento em que se cortam benefícios, se eleva a alíquota para essas empresas [antes beneficiadas] e pode ser que algumas delas deixem de ser competitivas.
Vai cortar? Para todas? Será via PIS/Cofins? No IPI? E como ficará o ICMS nesse caso? Numa situação assim é normal que as empresas estejam cautelosas.
Além disso, os bancos também estão mais cuidadosos, adotando uma posição mais conservadora. Tudo isso leva à retenção do crédito.
P – Essa é uma visão de curto prazo ou já compromete o PIB neste ano?
HM – Vai depender da definição do governo. Por exemplo: como se dará essa questão das críticas do presidente [Lula] ao Banco Central? Dois diretores serão nomeados agora. Depois, virão mais dois. E o presidente terá o mandato encerrado em 2024. Só quando os nomes forem anunciados, incluindo o presidente do BC, é que teremos uma visão mais clara. Se anunciar os nomes antes da data, pode antecipar expectativas.
Dependerá muito de qual será o BC que teremos nos próximos anos: o que vai controlar a inflação, como esse que temos hoje, ou aquele que acha não haver problema em uma inflação elevada? Vamos supor que tenhamos um BC que ache ok inflação elevada. Aí teremos efeitos de longo prazo.
Na questão fiscal, é a mesma coisa, caso optem pelos cortes de benefícios.
P – O Planalto enfrenta problemas no Congresso e isso pode comprometer projetos como a reforma tributária. Esse assunto também colabora com a decisão por tomada de crédito no mercado?
HM – Sem dúvida. A reforma tributária já é complexa por si só. E, no meio de tudo isso, você tem uma relação não muito fluida [do governo] com o Congresso.
Além disso, a comunicação sobre a proposta não chega clara. Ninguém consegue saber exatamente o que quer o governo.
A negociação com os diversos setores envolvidos também não é feita com muita clareza. O resultado é a incerteza.
P – A polarização política atrapalha ou é algo superado no empresariado? Não vejo mais uma situação de Bolsonaro versus PT. A grande maioria do empresariado está preocupada com o resultado das suas empresas.
Agora, logo depois da eleição, o presidente eleito fez uma série de declarações de confronto com o empresariado.
Outros membros do governo também disseram coisas do tipo: “ah, a maioria dos empresários é de sonegadores”.
O empresariado se retrai por cuidado e é isso que estamos vendo aí. Não é um posicionamento político, mas muito mais uma atitude do governo frente às empresas.
RAIO-X
HENRIQUE MEIRELLES, 77
Formado em engenharia civil pela USP, com MBA em Administração na UFRJ e Advanced Management Program na Harvard Business School, além de doutor (título honorário) pelo Bryant College. Atuou no BankBoston durante 28 anos, onde chegou à presidência global nos EUA; eleito deputado federal por Goiás em 2002; presidente do Banco Central do Brasil (2003-2011); presidente da Autoridade Pública Olímpica (2011-2015); ministro da Fazenda (2016-2018) e secretário de Fazenda e Planejamento de São Paulo (2019-2022).