O governo Lula (PT) tenta adiar a votação do projeto de lei do marco temporal na Câmara dos Deputados, marcada para esta terça-feira (30).
A tendência é que a proposta seja aprovada caso vá à análise dos parlamentares, o que representaria mais uma derrota para o governo na área ambiental. A urgência ao projeto do marco foi aprovada na semana passada por 324 votos contra 131, de 257 necessários.
“[Sobre o] Marco temporal, estamos trabalhando para não ir para a pauta. Se for, vamos encaminhar o voto não”, afirmou o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).
Lira avisou ao governo que o marco temporal é o primeiro item a da pauta do plenário, cuja sessão está marcada para começar à noite. O projeto é considerado prioritário pela FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária), que reúne 300 deputados e é uma das maiores forças da Câmara.
“Nós estamos dialogando com ele [o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL)], com o Supremo e com a Casa para ver se a gente constrói um acordo [para] que isso não entrasse na pauta. Isso ainda está em pendência”, disse.
“O [Jorge] Messias [Advogado Geral da União] está trabalhando, o ideal é não votarmos a matéria. A matéria é sensível, divide a Câmara, é o primeiro item da pauta. Vamos buscar um acordo para buscar uma solução negociada”, disse Guimarães.
Apesar de ter mencionado a AGU (Advocacia Geral da União), o ideal para uma ala do governo é construir um acordo junto a Lira sem precisar acionar a Justiça.
Como mostrou a Folha, o projeto de lei do marco temporal avançou na Câmara como uma estratégia do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para se antecipar ao julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre este tema. A corte marcou para junho o julgamento sobre o tema e pode rejeitar a criação do marco temporal.
O texto da proposta institui a tese segundo a qual as terras indígenas devem se restringir à área ocupada pelos povos na data da promulgação da Constituição Federal de 1988. Essa é a ideia defendida pelos deputados da bancada ruralista.
Os indígenas rejeitam esse argumento e afirmam que, pela Constituição, lhes é de direito seus territórios originais.
O projeto de lei também cria dispositivos que flexibilizam a exploração de recursos naturais e a realização de empreendimentos dentro de terras indígenas.
Ambientalistas e o movimento indígena criticam o projeto e veem brechas para permitir garimpo, atividade agropecuária, abertura de rodovias, linhas de transmissão de energia ou instalação de hidrelétricas, além de contratos com a iniciativa privada e não indígena para empreendimentos.
A discussão sobre a votação do marco temporal ocorre no mesmo dia em que o governo tenta aprovar a medida provisória que reestrutura Esplanada dos Ministérios.
Líderes de partidos do centrão resistem a aprovar a MP e ameaçam o governo com o risco de ela perder a validade. Se isso ocorresse, a estrutura do governo voltaria a ser a do ministério anterior, de Jair Bolsonaro (PL), o que representaria uma grande derrota a Lula.
Por isso, o principal objetivo do governo no dia é aprovar a medida provisória.
“A prioridade para o governo é votar a MP 1154, o relatório que saiu da comissão mista, já conversamos aqui hoje, a opinião é que todos vamos votar favoráveis ao relatório que foi aprovado na comissão mista, porque isso é central para o governo aprovar essa medida provisória, para ser votada amanhã no Senado”, afirmou o líder do governo na Câmara.
O relatório da medida provisória retira do Ministério do Meio Ambiente o CAR (Cadastro Ambiental Rural) e a ANA (Agência Nacional de Águas), além de uma série de sistemas, o que foi considerado a desidratação de funções importantes do ministério. Da mesma forma, o reconhecimento e a demarcação de terras indígenas, hoje no Ministério dos Povos Indígenas, vão para a pasta da Justiça.
Segundo Guimarães, o governo vai analisar a apresentação de destaques, mas a prioridade é conseguir aprovar a proposta. Nos bastidores, o governo sabe que se tentar mexer no relatório, pode sofrer uma derrota ainda maior no Congresso, por isso, tentará ao menos manter o texto aprovado na semana passada.
ENTENDA O MARCO TEMPORAL
A TESE
O marco temporal determina que a demarcação dos territórios indígenas deve respeitar a área ocupada pelos povos na promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988.
A CRÍTICA
Os movimentos indígenas discordam da tese e afirmam que, em 1988, seus territórios já haviam sido alvos de séculos de violência e destruição de aldeias; portanto, entendem que as terras que são de direito dos povos não devem ser balizadas por uma data.
O STF
O Supremo pautou para 7 de junho a retomada do julgamento que vai decidir se a tese é válida ou não. Até agora, o ministro e relator Edson Fachin votou contra o marco. O ministro Kassio Nunes Marques, a favor.
O PROJETO DE LEI
Paralelamente, tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei que institui o marco temporal. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), tenta aprovar o texto antes do julgamento do STF.