Os primeiros julgamentos de acusados pelos ataques golpistas de 8 de janeiro tiveram divergências nos votos dos ministros em relação ao acúmulo dos crimes imputados aos acusados e à tipificação como atentado à democracia.
Ex-funcionário da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), Aécio Lúcio Costa Pereira foi condenado nesta quinta-feira (14) por 8 votos a 3 pelos delitos de abolição do Estado democrático de Direito, golpe de Estado, associação criminosa, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração do patrimônio tombado.
Outro réu, Thiago de Assis Mathar, 43, foi condenado pelos mesmos cinco crimes na mesma sessão. O mesmo ocorreu com um terceiro acusado, Matheus Lima de Carvalho Lázaro.
Relator dos processos, o ministro Alexandre de Moraes votou no primeiro julgamento por uma pena de 17 anos de prisão para todos os crimes, com 15 anos e 6 meses em regime fechado.
Segundo a votar, Kassio Nunes Marques expediu voto a favor de pena de dois anos e meio em regime inicial aberto, já que considerou ter havido apenas os crimes de dano ao patrimônio e deterioração, não um ataque contra a democracia.
Na quarta, o magistrado afirmou que “apesar da gravidade do vandalismo”, os atos não chegaram a consistir em tentativa de abolir o Estado de Direito.
Para Tatiana Stoco, advogada e professora de direito e processo penal do Insper, Kassio teve uma visão parcial do evento julgado ao desconsiderar os crimes contra a democracia.
“Me parece uma interpretação bastante limitada da conduta desses agentes como um todo, como se tivessem se reunido apenas para depredar o local. Esses foram os meios violentos para atingir outro fim.
Eles não foram lá só para destruir e não estavam indo de forma independente. Estavam associados”, afirma.
Para Jordan Tomazelli, mestre em direito processual, a interpretação de Kassio faz sentido se o ministro considerou não ser possível confirmar a intenção do acusado em atacar a democracia.
“Não é porque estava lá dentro do STF no dia 8 de janeiro que a pessoa estava necessariamente imbuída com a finalidade de destituir o Estado democrático de Direito”, afirma.
Segundo ele, é importante avaliar caso a caso os mais de mil acusados pelos ataques.
“O raciocínio não pode ser automático, senão a gente cria o chamado direito penal objetivo, em que se deixa de identificar a intenção do indivíduo. O direito penal não funciona assim. Ele funciona com análise de dolo e culpa”, afirma.
Outro ponto de divergência no voto dos ministros no primeiro julgamento foi o acúmulo dos crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito e de golpe de Estado.
Diego Nunes, professor de história do direito penal da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), diz que tanto André Mendonça quanto Luís Roberto Barroso votaram a favor de não acumular os dois crimes no primeiro julgamento.
Os ministros entenderam que a semelhança entre os crimes, com concretizações parecidas, poderia indicar a possibilidade de que apenas um deles fosse tipificado.
Barroso defendeu a tipificação do crime de golpe de Estado, voto que o especialista Diego Nunes considerou o mais adequado.
“É uma via de meio entre o que Nunes Marques e Alexandre de Moraes fizeram, porque não deixa de condenar alguém pelo crime de atentado ao Estado, mas condena apenas por um único crime. Na linha do que decidiu Barroso, o crime mais grave.”
Barroso votou por pena de 11 anos e 6 meses de reclusão a Aécio Pereira.
Para Marina Coelho Araújo, advogada e conselheira do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo), não acumular os dois crimes também é a via mais adequada.
Ela, entretanto, considera mais adequada a decisão de André Mendonça, que optou por absolver o acusado do crime de golpe de Estado e tipificá-lo no crime de abolição violenta do Estado democrático de Direito.
O ministro votou a favor de uma pena de 7 anos e 11 meses de prisão ao primeiro réu julgado.
“Alexandre tipifica tudo porque ele faz uma consideração da conduta de todo mundo junto. Isso é comum em crimes de multidão, mas, nesse caso, como temos vídeos muito específicos do Aécio, acho que fica difícil caracterizar algo que os vídeos não mostram”, afirma.
“Não foi meramente destruição de dano, mas mais adequado seria escolher um crime ou outro. Atentado à democracia é o que mais se justifica, porque ele estava ali depredando a nossa estrutura como República, como democracia”, afirma Araújo.
Cristiano Zanin votou no primeiro julgamento para a condenação nos cinco crimes, com pena total de 15 anos. O voto de Edson Fachin foi para 17 anos de prisão, assim como os de Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber.